Estamos no tempo da Quaresma, tempo de graça no Senhor, que nos convida à mortificação (fazer morrer) muitas coisas em nós, a fim de vivermos intensamente os mistérios que constituem o centro da nossa fé, com os olhos fitos na Vida Eterna.

Já faz algum tempo que tenho observado, com certa preocupação, o que chamaria de “celebrização do mal”, que adentra em nosso modo de ser, agir e pensar de forma um tanto sutil.

É possível observar esse fenômeno de celebrização e até de glamourização do mal e do subversivo em produções às quais temos acesso nas plataformas de streaming ou em produções cinematográficas de sucesso. Séries como “Breaking Bad” (EUA, 2008), “Lúcifer” (EUA, 2016) e “La casa de papel” (Espanha, 2017), provocam em nós uma certa inversão de valores, a ponto de vibrarmos com os feitos dos ladrões e do próprio diabo, torcendo para que tais anti-heróis consigam realizar com sucesso suas façanhas maléficas e subversivas, regadas de humor, ação e aventura.

Como se não bastasse, o mal se apresenta como algo mais atraente e belo, o que foi claramente observado no filme “O Homem-Aranha 3” (EUA, 2007), cujo enredo mostra o super-herói que passa por uma crise de identidade, aflorando uma outra personalidade retratada com uma roupa de cor preta e mais arrojada, e que o deixava mais atraente e mais aventureiro.

Tal preocupação aflorou novamente em mim, ao acompanhar a premiação do Oscar 2025, no último dia 02 de março, mais especificamente, na categoria de melhor atriz. A questão não é só porque Fernanda Torres foi derrotada por Mikey Madison, uma atriz de 26 anos que fora apresentada ao mundo através do seu primeiro trabalho expressivo, o filme “Anora” (EUA, 2024), que também levou a estatueta do Oscar de melhor filme, desbancando a promessa brasileira “Ainda Estou Aqui” (Brasil, 2024). A questão é a abordagem do filme, que se travestiu de uma apologia à prostituição. Em seu discurso, a atriz premiada chegou a agradecer e engrandecer o trabalho das “garotas de programa” que a ajudaram a viver o personagem no filme.

Aqui temos uma total desvirtuação do feminino: um enredo que mostra a mulher como objeto sexual e a romantização da prostituição, que é escolhido, premiado e ovacionado; em detrimento de produções que são um alerta contra a exacerbação e supervalorização da beleza e da jovialidade femininas buscadas a qualquer custo (“A Substância”, França, 2024) e das que mostram a luta de uma mulher que enfrenta o luto de seu marido desaparecido e insepulto, buscando manter família unida com coragem e resiliência.

Não é minha intenção endossar um discurso meramente puritano, exortando a não consumirmos determinadas produções cinematográficas; mas é importante que façamos uma profunda reflexão sobre a banalização do mal, fazendo com que este alcance um patamar de celebridade e glamour. Os filmes não são feitos com a mera finalidade de entretenimento. Eles carregam sempre uma lição ou uma ideologia por trás. O mal continua sendo mau, mesmo que seja uma opção de muitas pessoas, assim como o bem segue sendo bom, ainda que ninguém faça opção por ele.

Para nós cristãos, o bem não pode ser uma opção entre outras, incluindo o mal. Ele precisa ser a nossa única opção. É bíblica a noção de que o mal se apresenta como algo sedutor e vantajoso para nos ludibriar e nos enganar. O mal já está derrotado, e tal situação não muda se ele nos tem a seu favor; isto apenas nos fariam derrotados com, e como ele.

O tempo da quaresma nos convida à prática da oração, do jejum e da caridade, com o objetivo de lutarmos contra o mal que nos afasta de nossa plena comunhão com Deus (oração), com o nosso interior (jejum) e com os nossos irmãos (caridade). O combate à tentação do ter (pobreza), do poder (obediência) e do prazer (celibato consagrado) nos mantêm como pessoas de bem nos caminhos do Senhor, peregrinos de fé e esperança.

Que os nossos propósitos quaresmais nos conduzam com leveza à santidade e à prática consciente e irreversível do bem, tornando-nos felizes, reconhecedores e agradecidos pelo imenso amor de Deus por nós!

    Pe. Samuel Alves Cruz, SDS

     Secretário-Provincial